domingo, 14 de setembro de 2014

A Jornada do Herói

Se vamos realmente usar o poder do diálogo no exercício da liderança, será preciso um esforço individual de autoconhecimento, aprendizado e de mudança de comportamento nesse sentido.

Por onde começar?

Proponho uma estrutura que certamente trará importantes descobertas no caminho do desenvolvimento das competências de liderança, deixando claros os pontos fortes e oportunidades de desenvolvimento de cada indivíduo. Não se trata de nenhuma nova descoberta, mas de revisitar conceitos e práticas largamente utilizadas nos diversos campos do desenvolvimento humano, passando pela filosofia, psicologia e psicoterapia, neurociência e, obviamente, pela ciência da administração.

Vou expor minha abordagem por etapas que, recomendo, devem ser seguidas na ordem apresentada. Eventualmente, alguns de nós podem apresentar um bom nível de competência num ou em outro ponto, mas, vale sempre uma nova reflexão sobre esses pontos positivos. Afinal, como disse Guimarães Rosa em Grande Sertão – Veredas: “Os caminhos são sempre os mesmos. O que muda são os olhos do caminhante.”

Então, que tal começarmos pela grande reflexão que o ser humano vem fazendo desde sempre: quem sou eu?

Um dos meus livros preferidos tem o sugestivo título: “Quem sou eu? E, se sou, quantos sou?”  O livro traz uma visão geral de vários tratados filosóficos clássicos e contemporâneos, passando por questionamentos dos impactos na resposta à pergunta-título dos recentes desafios da neurociência, física quântica, ética e moral e ecologia. Mas, o que me faz trazer o livro aqui é simplesmente o título.

Para a construção de diálogos produtivos no ambiente da liderança nas diversas naturezas de relacionamento humano, é fundamental que eu possua uma visão - ainda que não completa – sobre meus valores, minhas ideologias, minhas fortalezas, minhas fraquezas, o que de fato importa para mim, enfim, elementos que me tornem efetivamente um protagonista na minha própria história. Afinal, um bom líder é aquele que conduz e para isso é importante saber e fazer o caminho.

A resposta sobre “quem sou eu” é, sem dúvida, uma aventura! E como tal faço esse desafio a você.  Vamos iniciar essa viagem de descoberta? Prepare-se para as perguntas, pois elas é que irão conduzi-lo ao destino final – ainda que seja uma pretensão neste momento.

Como estamos a distância, proponho um roteiro.Um roteiro, como no cinema, que orienta a evolução da estória (no caso da sua história), que define o caminho a ser seguido. Podem existir variações (atalhos), que você pode criar, ou podem surgir, mas, a escolha dos caminhos ou respostas será sempre sua.

O roteiro que proponho para essa viagem de descoberta é baseado na Jornada do Herói. Esse conceito foi desenvolvido por Joseph Campbell e é apresentado e aprofundado em duas obras literárias: A Jornada do Herói – Joseph Campbell Vida e Obra (Editora Ágora) e; O Herói de Mil Faces – Joseph Campbell  (Editora Cultrix Pensamento). Se preferir, você pode rever a série O Poder do Mito, produzida pela BBC e disponível em DVD nas locadoras. Esse “roteiro” – e me perdoe Campbell pela redução de uma obra tão vasta e importante -  tem sido largamente utilizado pelos grandes diretores do cinema, por exemplo George Lucas, que apoiou-se na jornada do herói para construir a saga Guerra nas Estrelas.

 A abordagem é simples: a construção dos mitos e/ou dos heróis nas sociedades que construíram a nossa história nada mais é do que um roteiro baseado na vida comum. Essa construção é complementada com adereços e aplicações que reforçam a ideia do êxito, da virtude, do exemplo e das imagens que podem servir de apoio à busca incessante da essência e da perfeição do ser humano. Portanto, nossa história individual tem todos os elementos que revestem a construção do herói ou do mito.

Para simplificar nosso entendimento e resguardada a essência dos estudos de Joseph Campbell, veja a seguir as principais etapas da construção do mito e da jornada do herói. 

Recomendo que na leitura inicial projete a sua vida neste roteiro. Está escrito para você pensar assim.
O mundo comum
Pense no contexto e a na base onde você vive.  O cotidiano e a rotina do dia a dia. Esse contexto é fundamentado em conhecimentos já consolidados e em padrões já estabelecidos. É natural que você esteja acostumado a utilizar os mesmos métodos para coisas diferentes. Mas, os desejos pelo novo já estão presentes, com diferentes graus de intensidade.
Chamado à aventura
De repente, surge um desafio e sementes de possibilidades são lançadas. Provoca-se uma descoberta de que pode haver um mundo diferente, cheio de novas alternativas. Uma aventura nova para se viver e que pode agir como uma tentação – num primeiro momento. Apresenta-se um convite para sair do conforto diário e uma mensagem ou um mensageiro chega com a notícia de que chegou a hora de mudar.
Recusa ao chamado
Mas, seu primeiro sentimento é que não é uma brincadeira, é um jogo de alto risco. Você tem medo, quer manter a segurança do mundo como você conhece. Fica pensando nas coisas que pode perder se não der certo. Você receia não saber lidar com os novos conhecimentos e expectativas, ou não ter competências suficientes. Essa aventura pode ir contra seus valores, crenças e conforto atuais. Você abandona a busca, foge do desafio, normalmente encontrando uma série de boas justificativas.
Encontro com mentor
Mas, o desafio continua presente, pois representa o vínculo entre onde estou e onde quero estar. De repente, surge um “mentor” que prepara para os desafios com conselhos, orientação, fortalecendo a confiança. Esse mentor pode ser uma pessoa, um livro, um filme, uma reflexão, enfim, algo ou alguém que me retorna à claridade do desafio. Podem ser heróis com experiência bastante para ensinar outros ou desconhecidos. Mesmo que não haja uma pessoa, sempre há um encontro com a sabedoria, com a experiência. Durante a aventura podemos ter vários mentores, nos diferentes estágios da jornada. É preciso estar atento. Mas ele não pode estar junto por todo o caminho. Você precisa conduzir sua própria história.
Travessia para seu próprio interior
É o momento em que você decide agir e aceitar o desafio. Um ato voluntário onde você se compromete e se dispõe a aceitar as conseqüências (positivas e negativas) da sua escolha. Normalmente, nesse momento o comportamento típico é não aceitar conselhos e sair disparado em busca da aventura. Você esquece o medo e enfrenta a primeira prova.
Testes, aliados e inimigos
Ao longo da primeira prova, você descobre quem e o que pode ajudar ou atrapalhar. Você começa a experimentar o aprendizado de uma nova vida, sob novas regras. Está se adaptando ao novo mundo, deixando de ser “calouro”; vale-se de experiências e conhecimentos anteriores. Um grande inimigo pode ser descoberto ou reencontrado, assim como novos aliados. Você começa a se preparar para o grande desafio. Nesse estágio você forma parcerias, encontrando-se com outros que tem os mesmo interesses comuns. Uma equipe está surgindo.
Provação máxima
No confronto direto com o desafio você enfrenta momentos de muita tensão e pressão enormes. Será que vai dar certo ou não? É um momento crítico. Você não pode viver essa experiência sem se modificar de alguma maneira. O prêmio que se avizinha é o renascer para nova vida e a possibilidade de mudar o mundo comum no qual você vive.
Conquista da recompensa
A jornada está chegando ao final e você sente o prazer de vencer o desafio, ultrapassar os limites. Sente-se um herói, reconhecido como especial e diferente e toma posse do “prêmio” que se buscou durante toda a jornada. Agora, fortalecido, você sente que muitas possibilidades são abertas, até mesmo um novo mundo. Você se descobriu e aceita como é, com as forças e fragilidades que fazem parte de você.
O caminho de volta
É chegada a hora de administrar as conseqüências do final da aventura e dos seus resultados. Criar um mundo comum com mais sabedoria, mais experiência, frutos do aprendizado da jornada. Você está preparado para lidar com os sentimentos decorrentes de ter ultrapassado o desafio e, novamente, alcançar o patamar de conforto. Uma nova aventura vai se iniciar...

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Resiliência & "All is Lost"


Certamente uma das características mais procuradas em profissionais atualmente, em função das turbulências do ambiente e a incessante dança das mudanças em todos os cenários da vida.
Quer entender um pouco melhor o que é resiliência e suas consequências positivas no comportamento?

Assista o filme “All is Lost” (Até o Fim, título no Brasil), dirigido por J. C. Chandor, protagonizado por Robert Redford.
A estória narra a viagem solitária de um homem, a bordo de um veleiro no Oceano Índico que de repente vê a embarcação atingida por um container à deriva em alto mar, provocando um grave dano no casco da embarcação. Neste ponto, inicia-se a luta pela sobrevivência do experiente marinheiro.
Para além da brilhante interpretação de Robert Redford, num filme onde as únicas “falas” são na abertura (um texto em off narrando as etapas finais da viagem), um pedido de socorro pelo rádio do veleiro e um pedido de socorro a bordo de um bote salva-vidas, o único personagem do filme desfila um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que ilustram com perfeição até onde um ser humano pode chegar como limite de resiliência.
Os momentos marcantes do personagem no decorrer da ação correspondem a várias características da resiliência:
Ver o todo: o personagem observa atentamente a situação presente antes de adotar qualquer medida, e a cada nova etapa da viagem está sempre atento aos sinais que o ambiente apresenta, tentando antecipar-se para reduzir o impacto dos acontecimentos.
Escolha das alternativas: diante das perspectivas, o personagem não perde o controle e toma as primeiras atitudes no sentido de eliminar causas primárias dos problemas e escolhe o melhor caminho para agir.
Partir para a ação: o personagem age no sentido de resolver as questões mais importantes e urgentes, além de prevenir riscos que podem surgir da avaliação do ambiente.
Não desistir: mesmo nos momentos mais difíceis da narrativa, o personagem se recompõe, continua vendo o todo, escolhendo alternativas e partindo para a ação.
Permitir emoções: ainda que com um elevado nível de autocontrole, o personagem dá vazão a reações emocionais que permitem claramente aliviar o alto grau de tensão que se impõe pelo roteiro.
Entre outros comportamentos, destacam-se atitudes que demonstram a inteligência emocional do protagonista, principalmente em relação ao conjunto de competências pessoais:
Autoavaliação precisa: o personagem conhece seus limites e as próprias possibilidades, principalmente quando decide abandonar o veleiro e na última cena do filme.
Autoconfiança: nas várias situações da estória, o protagonista age com um senso pleno de suas capacidades para resolver problemas e avaliar o cenário.
Autocontrole emocional: talvez a mais presente das competências emocionais do personagem do filme. Pelo conjunto de situações absolutamente desesperadoras, o protagonista demonstra um autocontrole incrível.
Adaptabilidade: durante toda a narrativa, o personagem demonstra enorme flexibilidade par adaptar-se aos desafios da situação e superar os obstáculos.
Superação: ele não desiste jamais. Mesmo na derradeira cena final (claro que não vou contar!! Veja você mesmo!).
Iniciativa: ainda que numa viagem solitária, o personagem não procrastina. Age de forma imediata para superar obstáculos e buscar alternativas.
Certamente, depois que você assistir o filme, poderá acrescentar outra visão do personagem, reforçando as características da resiliência e as competências emocionais pessoais.
Aguardo comentários...