quinta-feira, 17 de março de 2011

Em busca de sentido

Enxergar um significado maior na vida aproxima o tema da espiritualidade do mundo do trabalho.

Mário Sergio Cortella

Ultimamente tem-se falado em empresa espiritualizada, líder espiritualizado. A crescente freqüência com que esses termos têm adentrado no universo corporativo pode ser interpretada como um indício de que uma busca por um novo modo de vida e convivência está em curso?

É um sinal, que às vezes é positivo, outras vezes não, porque se pode cair numa dimensão esotérica, que é perigosa. Mas a espiritualidade no mundo do trabalho é necessária. O que é espiritualidade? É a sua capacidade de olhar que as coisas não são um fim em si mesmas, que existem razões mais importantes que o imediato. Que aquilo que você faz, por exemplo, tem um sentido, um significado. Que a noção de humanidade é uma coisa mais coletiva, na qual se tem a idéia de pertencimento e que, portanto, o líder espiritualizado – mais do que aquele que fica fazendo meditações e orações – é aquele capaz de olhar o outro como o outro, de inspirar, de elevar a obra, em vez de simplesmente rebaixar as pessoas. Então, essa espiritualidade é a capacidade de respeitar o outro como o outro e não como um estranho e edificar, em conjunto, um sentido (com significado e direção) que honre nossa vida.

O líder espiritualizado, com alguma freqüência e especialmente em alguns livros, aparece como alguém próximo a um místico. Isso é muito negativo, porque a mística, vez ou outra, deriva para o campo do fanatismo e deixa de ser radical (isto é, de ir até as raízes, saindo da superfície), passando a ser sectária, desagregadora, o que é uma coisa deletéria.

O desejo de espiritualidade é um sinal de descontentamento muito grande com o rumo que muitas situações estão tomando e, por isso, é uma grande queixa. E a espiritualidade vem a tona quando você precisa refletir sobre si mesmo; aliás a espiritualidade é percebida pela angústia. De maneira geral, a angústia é um sentimento sem objeto. Quando você fica triste, é por alguma coisa. Quando você está alegre é por algum motivo. A angústia se sente e não se identifica o objeto. Você se levanta e “não sei o que está acontecendo, estou com uma coisa, um aperto aqui no peito”. É uma sensação de “vazio interior”.

Martin Heidegger, grande filósofo alemão do século XX, dizia que a angústia é a sensação do nada. E ela é positiva num ponto, pois o nada é a possibilidade plena. Quando se pode sentir o “nada”, todas as opções se apresentam e todos os horizontes são possíveis. É um jogo que fazemos em Filosofia, mas que tem um fundo forte de reflexão, na medida em que, na prática, você está dizendo o seguinte: a espiritualidade é a resposta a um desejo forte de a vida ter sentido, de ela não se esgotar nem naquele momento, nem naquele trabalho.

Ora, há certo exagero na postura que não identifica no trabalho qualquer forma de prazer. Ao contrário, a noção não é só a fruição imediata, mas é a de sentir-se bem no lugar. E são milhares e milhares de pessoas se sentem bem fazendo o que fazem, nos hospitais, nas fábricas, nas redações, nas escolas. Nós, inclusive, temos o hábito de quando alguém sai de casa, dizer “bom trabalho”, como se fosse “bom passeio”, como uma forma de comunicação.

Claro, nenhum de nós deixa de ter dissabores em relação ao cotidiano, mas a causa não é o trabalho em si. A questão é que as grandes metrópoles vêm hoje, de fato, furtando muito tempo da vida cotidiana das pessoas. Não pelo número de horas que você passa no trabalho, mas especialmente porque o deslocamento nas grandes cidades para se trabalhar – como no Rio de Janeiro, em São Paulo e Porto Alegre, por exemplo – toma duas, três horas, no mínimo, do seu dia-a-dia apenas para se chegar ao local de trabalho. Esse número de horas se agrega à idéia de que você está trabalhando. Nós não teríamos a mesma percepção se fossemos à praia, ou a um show, ou ao cinema. Aliás, a própria legislação trabalhista considera que seu deslocamento em direção ao posto de trabalho, assim como o retorno, fazem parte do trajeto do trabalho. Não é pago como hora extra, mas o trajeto de trabalho para efeito de acidente, de ocorrência, e assim por diante.

Em relação ao mundo do trabalho, eu não tenho nem uma visão catastrófica, nem triunfalista. Acredito que nós estamos hoje com uma certa crise no conjunto da vida social, do qual o trabalho é apenas um pedaço. Mas não é só o trabalho; a família também, o modo como se lida com os meios de comunicação, a relação entre as gerações, a própria escola. Então, nós estamos em um momento de transição, de turbulências muito fortes em relação aos valores. Dessa forma, insisto, o mundo do trabalho é um mundo no qual também se cabe a alegria, a fruição.

Temos carência profunda e necessidade urgente de a vida ser muito mais a realização de uma obra do que um fardo que se carrega no dia-a-dia.

Mário Sergio Cortella
Qual é a tua obra?
Editora Vozes

Texto sugerido por Fábio Von Held