sábado, 26 de fevereiro de 2011

Os 12 pontos-chave para a excelência em gestão

Fundação Nacional da Qualidade cria modelo de recomendações de melhores práticas em gestão para que o mercado de médias e pequenas empresas brasileiro evolua.


Responsáveis por 20% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e por 54% dos empregos formais, as micro e pequenas empresas (MPE) ainda esbarram nos mesmos desafios de qualquer organização: como gerir bem o negócio, empreender ações inovadoras, suprir as necessidades do mercado e sobreviver às transformações econômicas globais. Sendo que o último item é apontado como sendo o principal desafio para a gestão das MPEs, na opinião de Juliana Iten, gerente de Convênios e Parcerias da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ).

De acordo com estudo da consultoria Mckinsey, as organizações devem ser impactadas, nos próximos anos, por cinco forças globais de transformações. São elas:

1. O crescimento de mercados emergentes, com alterações demográficas

2. Produtividade do trabalho

3. O fluxo global de produtos, que é impactado por informações e capital

4. As mudanças climáticas e a sustentabilidade

5. Crescimento do papel dos governos nas economias e na sustentabilidade ambiental e social

Diante desse cenário de incertezas e constantes transformações globais, adaptar metas e objetivos da empresa a essas mudanças passa a ser primordial para que as MPEs tenham visão de futuro e saibam identificar seus pontos fortes e fracos, as ameaças e oportunidades, de forma a melhorarem a gestão do negócio e se tornarem mais competitivas.

“Ou seja, cada vez mais se faz necessário estabelecer um planejamento estruturado a curto e longo prazo, que seja dinâmico e adaptável às mudanças complexas que afetam o mundo corporativo”, completa a gerente da FNQ.

Para avaliar o estágio de maturidade da gestão das MPEs, a FNQ, em parceria com o Sebrae, Movimento Brasil Competitivo (MBC) e Gerdau, desenvolveu um questionário de autoavaliação, alinhado ao Modelo de Excelência da Gestão (MEG) disseminado pela FNQ e adaptado à realidade das empresas de pequeno porte.

“Os fundamentos e critérios de excelência, que antes eram focados no desempenho das grandes empresas, agora estão adaptados para a realidade das MPEs, de forma que possam se tornar mais competitivas no mercado”, avalia Juliana.

A proposta do questionário é avaliar a qualidade da gestão das MPEs, identificando os pontos fortes e oportunidades para melhoria, o que permite melhoria de processos de planejamento estratégico e planos de ação. O questionário aborda questões focadas em liderança, estratégias e planos, clientes, sociedade, informações e conhecimento, pessoas, processos e resultados.

Com base no modelo de excelência em gestão, a FNQ elenca 12 pontos-chave para o desenvolvimento da gestão. São eles:

1. Conheça e ouça os clientes - Agrupe os tipos de clientes com características similares, identifique e analise suas necessidades, a fim de oferecer os serviços ou produtos adequados a esses grupos. Considerando suas diferenças, divulgue produtos e serviços no canal mais adequado para atingir os clientes. Promova avaliações periódicas do nível de satisfação e crie um meio de comunicação para ouvir as reclamações e sugestões, a fim de identificar oportunidades de melhoria.

2. Preocupe-se com o meio ambiente e seja socialmente responsável - Fique ciente dos danos que as atividades e instalações da empresa causam ao meio ambiente – faça o consumo controlado de água, energia elétrica e papel, e descarte corretamente sobras de produção, lixo, lâmpadas fluorescentes, cartuchos de impressora e embalagens. Promova ações e projeto sociais, conscientizando e envolvendo os colaboradores com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento sustentado. Doações que auxiliam temporariamente a comunidade são atividades isoladas que não atingem esse objetivo.

3. Tenha a melhoria contínua como meta – Promova a melhoria por meio da inovação dos produtos, serviços, processos e métodos de gestão, a partir das contribuições de colaboradores e de informações obtidas externamente (com outras empresas, concorrentes, universidades, centros de pesquisa, associações, rede de relacionamentos etc.). Isso contribui para o aumento da competitividade da empresa.

4. Estabeleça sua missão, visão e valores – Toda empresa deve estabelecer e disseminar sua missão, visão e valores aos colaboradores, para que todos persigam os mesmos ideais e saibam o que os dirigentes esperam da organização no futuro.

5. Tenha um planejamento estratégico – Estabeleça estratégias para alcançar os objetivos da empresa, levando em conta informações relativas a clientes, mercados, fornecedores, colaboradores, sua capacidade de prestar serviços, produzir e vender. Isso permite posicionar a organização de forma competitiva e garantir a sua continuidade. Em seguida, elabore planos de ação, definindo responsáveis, prazos e recursos necessários para a execução de atividades que visam atingir as principais metas e estratégias.

6. Faça a gestão das pessoas - Defina claramente as funções e responsabilidades dos colaboradores, pontuando a participação de cada um e promovendo a sinergia do trabalho em equipe. Disponibilize ações de capacitação com base num plano de treinamento, a fim de desenvolver as habilidades e conhecimentos para exercer as atividades diárias. Na hora de contratar, selecione colaboradores que estejam aptos a atender as necessidades atuais e futuras da organização.

7. Promova a qualidade de vida - Adote ações que garantam o bem-estar e a satisfação dos colaboradores, promovendo um ambiente mais participativo e agradável que proporcione motivação para a realização do trabalho. Exemplo: promova benefícios adicionais aos exigidos por lei, confraternizações, áreas de lazer, programas participativos etc

8. Controle o desempenho – A empresa deve estabelecer indicadores e metas que permitam controlar as principais atividades e analisar o desempenho do negócio. Reuniões regulares com os dirigentes da organização são fundamentais para mensurar os resultados obtidos e tomar medidas corretivas, quando necessário. Esses indicadores e metas precisam contemplar aspectos relacionados a finanças, produção, vendas, fornecedores, clientes, colaboradores e questões ambientais.

9. Faça o controle financeiro – Utilize o fluxo de caixa e um plano orçamentário para, no mínimo, um ano. Assim, é possível assegurar a disponibilidade de recursos para a compra de materiais e serviços, o pagamento de funcionários e despesas, além do investimento em equipamentos para comercialização, prestação de serviços, produção e entrega.

10. Organize as informações – As informações necessárias para a execução das atividades da empresa, análise e condução dos negócios devem estar definidas e organizadas por um sistema padronizado, que disponibilize ferramentas e tecnologias mais eficazes para atender as necessidades dos colaboradores. A empresa deve ainda compartilhar as informações a fim de permitir a execução adequada das funções. Quando registradas e documentadas, essas informações possibilitam a continuidade das atividades em caso de substituição de profissionais.

11. Faça benchmarking – Obtenha regularmente informações comparativas de outras empresas do mesmo segmento, com o objetivo de adotar novas práticas e métodos de melhoria dos serviços, produtos e processos. Isso também permite identificar diferenciais favoráveis ou desfavoráveis a serem tratados.

12. Execução de atividades – As principais atividades da empresa devem ser executadas de acordo com padrões definidos, a partir de requisitos legais e de informações sobre as necessidades do cliente, bem como da descrição de processos.

Na prática

A Patrimonium, empresa de segurança patrimonial do Paraná que está no mercado a há 10 anos, incorporou estas 12 recomendações do modelo de excelência em gestão. Hoje, a companhia adota mais de 30 indicadores que são acompanhados mensalmente com análise e plano de ação para cumprimento da meta pelos responsáveis da área.

“Esses indicadores são apresentados e analisados em uma reunião de gerência com a presença dos diretores mensalmente. Além disso, também são avaliados criticamente pela diretoria a cada semestre”, conta Michel Andre Felippe Soares, diretor executivo Grupo Patrimonium Alltech.

A empresa controla o fluxo de caixa pelo software de gestão e todos os departamentos criaram o seu planejamento orçamentário para o ano seguinte. “Essa ação facilita a empresa a gerir melhor os recursos e a evitar gastos financeiros com juros por deficiência na gestão do caixa”, sinaliza o executivo.

Além disso, a companhia já realiza há alguns anos a pesquisa de satisfação do cliente. “Tomamos ações para sanar eventuais pontos de melhoria apresentados pelos nossos clientes e agrupamos os clientes, para identificar as necessidades específicas e atender o anseio de cada grupo”, aponta Soares.

O executivo da Patrimonium avalia que é fundamental saber aonde se quer chegar, assim como a informação precisa ser bem definida e disseminada para os colaboradores. Para a empresa evoluir, os funcionários precisam “saber o que importa e o que a empresa espera deles em termos de comportamento e resultados”, conclui.

Por Patricia Santana (colaboradora do Portal HSM).
Portal HSM
16/02/2011

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O líder do novo milênio

Eliana Dutra, diretora executiva da Pro-Fit Coaching e vice presidente da ICF Brasil, analisa três tipos distintos de líder e defende uma geração que tem, de fato, foco no cliente.


Neste novo milênio, o que é ser um líder? O que o líder faz que os outros não fazem? E o que ele não faz que os outros fazem? Kenneth Blanchard, autor de diversos livros sobre liderança e motivação, disse em uma de suas palestras que “não existem líderes naturais”. Uma linha de pensamento que podemos compactuar, pois, em verdade, os chamados “líderes naturais” são apenas pessoas autoritárias com sede de poder.

O líder do novo milênio é o que tem uma visão de um mundo melhor para a sua empresa. É o que sabe comunicar esta visão de forma a inspirar os seus colaboradores, entendendo que o seu papel é ser o coach, o mentor, o treinador.

Dentro desse contexto podemos analisar três tipos de chefe, no qual só um deles irá sobreviver e manter viva a sua organização. Suponhamos que esta organização seja um time de futebol que está no meio de uma partida – todos estão jogando – quando o treinador, que naturalmente está fora do campo, percebe a necessidade de uma mudança tática que ele precisa informar ao time.

O primeiro tipo chama os jogadores e estes largam a bola (o cliente) e vão até a beira do campo para falar com o treinador. Enquanto isso, o time adversário (a concorrência) está marcando o gol. Este tipo, na empresa, quando chama o colaborador espera que este largue tudo e venha correndo. Você o conhece e identifica-o, por exemplo, quando está fazendo uma compra numa loja e o gerente chama o vendedor que larga você, no meio da compra, para atender o chefe.

O segundo tipo ouviu falar que é importante focar no cliente. Assim, quando chama os jogadores para informar a mudança de tática, os jogadores primeiro acabam a jogada e, então, largam o jogo e vão até o treinador. Este segundo tipo já é mais moderno. Primeiro é o cliente, mas se o colaborador está fazendo qualquer outra tarefa ele tem a expectativa que esta atividade seja interrompida para que ele, chefe, seja atendido. O que ele ainda não percebeu é que esta interrupção gera re-trabalho e consequentemente perda de tempo. Enquanto isso, o time adversário faz mais um gol.

O terceiro tipo entendeu que para dar foco no cliente é importante ir mais fundo, ver o jogador e suas jogadas como mais importante que ele próprio. Assim, quando o treinador chama os jogadores, estes esperam uma parada de bola para, só então, ir ao seu encontro. Este terceiro tipo, na empresa, sabe que se contratou aquela pessoa para fazer alguma tarefa, ela é fundamental para o bom atendimento do cliente (direta ou indiretamente). Ele sabe que se o foco é no cliente não pode ser no chefe também. Então, quando ele chama o seu colaborador espera só ser procurado quando a tarefa em curso tiver sido terminada. E esta expectativa foi informada aos seus colaboradores.

Enfim, não existe o líder natural porque o verdadeiro líder no novo milênio é aquele que sabe que desenvolvimento leva tempo, porque passou de um a dois anos aprendendo a treinar seu time de forma tão eficaz que, durante o jogo, ele se diverte vendo-o jogar com perfeito sincronismo. Ele aprecia cada jogador, cada criatividade usada em novas jogadas e o desenvolvimento do todos e de cada um. Ele não tem sede de poder. Ele tem sede de ver sua visão realizada por meio das pessoas.

Publicado inicialmente no Portal HSM em 14/02/2011

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O Grande Não

Em minha jornada no desenvolvimento de lideranças, tenho me deparado com uma importante oportunidade de crescimento das pessoas: como ser mais assertivo. Ao que parece, essa nossa tendência em dizer "sim" quando devemos dizer "não" é característica da formação de nossa sociedade. Mas, parece que isso tem incomodado bastante... Vamos tratar desse tema e para iniciar o nosso diálogo, proponho um artigo interessante publicado na Revista Vida Simples, de autoria da jornalista Liane Alves. Pode ser uma primeira reflexão.

Boa leitura e voltamos ao tema em breve... 

Ter firmeza de atitude e saber negar é uma arte que pode transformar sua vida. Descubra por que é legal não ser legal o tempo inteiro.

Fuinha era um moço bonzinho – os nomes dos boas-praças quase sempre passam para o diminutivo. Ele poderia ser descrito como um amor de pessoa. Dava carona para quem precisasse, agüentava as brincadeiras dos jornalistas veteranos, aceitava fazer as piores matérias sem reclamar e envergonhava-se calado diante da gozação geral em cima do seu apelido. Um dia, Fuinha foi tomado por um acesso de raiva em plena redação. Roxo como uma beterraba, meteu o pé na mesa do redator-chefe e começou a gritar com todo mundo: “Não quero que me chamem mais de Fuinha! Eu tenho nome e sobrenome. Não sou uma coisa que pode ser chutada de lá para cá. Chega, cheeeega!” Enquanto esbravejava, arremessava no chão revistas e jornais que estavam em cima das mesas. Um espetáculo. Todo mundo o olhava de boca aberta como um maluco em potencial. Menos eu. Já tinha tido reação semelhante em um hospital público depois de ir quatro vezes lá para marcar um exame. Era a fúria diante do desrespeito contínuo. E também pela própria incapacidade de recusar uma situação espinhosa desde o princípio e de ter dito não no momento justo e preciso.

É bem provável que você já tenha visto o Fuinha na televisão. Mas hoje ele só atende por seu extenso nome completo e é um dos melhores repórteres da TV – poucas pessoas sabem que ele já teve um apelido tão bobo. O que essa história mostra é que todo bonzinho tem seu dia de basta. Seu dia de não, não quero, não, não gosto, não, não suporto mais ser “legal”. Mas o ideal é que a situação não chegue a esse ponto crítico e que, pouco a pouco, o ato de se negar tome seu lugar necessário na vida. Só resta saber como.

O medo da rejeição é crucial na vida e está sempre a nos rondar, como um fantasma

O grande medo

Todo mundo tem medo de dizer não. Mas algumas pessoas têm mais medo que as outras. Principalmente as que apostam as fichas num mundo mais gentil, em formas mais conciliadoras e pacíficas no caso de disputas. Para essas pessoas, o não parece conter uma agressividade intolerável, uma palavra que aponta para um caminho sem volta em direção ao confronto. No geral, elas têm pouca habilidade para respostas rápidas ou facilidade em sustentar posições contra o fogo cerrado de um inimigo mais dinâmico. Então, para elas fica mais fácil morrer por dentro e dizer sim.

Mas por que será que temos tanto medo do conflito que pode ser causado pelo não? A psicóloga paulista Corinna Shabbel fez mestrado e doutorado para responder a essa pergunta. Sua especialidade é ser mediadora de conflitos diante da diferença de opiniões. No fundo, seu trabalho é administrar com razoável sucesso o não de cada um. Dá cursos e palestras sobre o assunto e instrumentaliza pessoas físicas e funcionários de empresas para enfrentar e superar suas dificuldades.

E a primeira declaração de Corinna é preciosa: quase todas as pessoas que estão prestes a dizer não fantasiam uma série de reações negativas por parte do outro. Isto é, a pessoa teme que ele fique bravo, agressivo ou, então, magoado, triste e ofendido. “Esse olhar negativo sobre as conseqüências do não tira a força e o peso da recusa. Esses fantasmas geralmente não passam da mais pura imaginação. Se a gente diz um não limpo, coerente com nossos sentimentos, e o dizemos com clareza, é bem provável que o outro acate sem conflitos ou ofensas”, diz. A psicóloga aconselha, portanto, a refletir bastante sobre nossos fantasmas e fantasias, conhecê-los de perto e tentar identificar quando eles estão se aproximando para turvar a realidade.

Pois o medo da rejeição é crucial e está sempre a nos rondar, como um fantasma. Claro, imaginamos perder o outro por causa de uma negação. “Isso acontece porque não conseguimos fazer as pazes com o não, fortalecê-lo, saber que ele é necessário na vida e que sem ele não se pode viver. Para nós, ele não é natural – por isso o medo superdimensionado do efeito que ele pode causar no outro”, diz Corinna Shabbel.

O fantasma da gerente administrativa Irene Matsunaga era o peso ancestral de toda uma cultura, a japonesa, que dá especial ênfase ao obedecer sem questionar. “Meus pais sempre me ensinaram a dizer sim. Como um cachorrinho, ganhava um prêmio toda vez que acontecia isso: um passeio, um docinho, um agrado.” Irene era cada vez mais amada e aprovada em face de sua aceitação e submissão. “Quando comecei a trabalhar, vi que tinha medo de perder a aprovação dos outros diante do meu não. E no ambiente profissional você precisa se impor, dar limites. A educação que tive ainda me acompanha, mas fui aprendendo que nem sempre a negação inclui uma total desaprovação por parte do outro, um rompimento.” Viu que as pessoas podem não gostar muito de ouvir uma negação, mas que depois aceitam – e tudo bem. Principalmente, é claro, se ela tiver razão.

Ser legal não é legal

Para os psicoterapeutas americanos Jo Ellen Gryzb e Robin Chandler, autores do livro The Nice Factor – The Art of Saying No (numa tradução livre, “O fator gentileza – A Arte de Dizer Não”, sem edição brasileira), a dificuldade para negar surge porque, no fundo, achamos errado não ser legal. O inesperado livro vai na contracorrente da auto-ajuda, porque não ensina a melhorar a si mesmo, mas a “piorar” e, assim, ser mais verdadeiro. Basicamente, dá o passo-a-passo de como abdicar de ser o boa-praça de plantão, sempre solícito, presente e gentil, para transformá-lo em alguém mais consciente de si mesmo e dos outros, inclusive dos seus abusos. Os dois decidiram escrever o livro quando se encontraram numa segunda-feira de manhã e descobriram que Jo Ellen havia passado uma noite em claro por não saber como expulsar hóspedes indesejáveis de casa e Robin, exausto por bancar o cicerone de parentes que visitavam a família. Antes de expressar o que pensavam, eram tidos como gente muito, muito legal.

Além do risco de não nos deixar mais ser vistos como “legais”, o não também implica outros perigos. É quando as perdas podem ser reais e não apenas imaginárias. “Nessa circunstância, podemos optar por um sim, mas com limites. Posso aceitar algo, mas só por um período curto de tempo, por exemplo. É um sim condicional”, afirma Corinna. Adorei o sim com limites. Tanto que vários dos meus sins daquele momento em diante já vinham com um limite dentro. Acho que fiquei meio chata por um período com meus amigos, mas foi uma bela transição em direção ao não.

Mas também podemos assumir os riscos. “Sabia que podia perder o emprego ao dizer que não ia mais permanecer no trabalho por dez, 12 horas, sem qualquer tipo de hora extra. Não fui imprudente, vi que teria outras oportunidades se tivesse a coragem de mudar de emprego. Disse o não e esperei a demissão, que aconteceu”, diz a comerciária paulista Núncia Alves Ribeiro. Hoje Núncia abriu sua loja de lingerie, está satisfeita, trabalha muito – mas ganha mais. Mesmo que o fim da história não fosse tão feliz, a vida é feita de perdas e ganhos, e geralmente aprendemos mais com as perdas. Elas têm lá suas vantagens.

Mas onde buscar a força necessária para esse não puro e simples, que não teme riscos?

Essa é uma outra etapa.

Gentileza e medo

Todo limite precisa de uma potência, de uma força para ser exercido. Um não fraco, frouxo, sem energia, seja na voz, seja na emoção, não dá resultado. E onde podemos encontrar esse vigor? Vamos voltar lá para o comecinho de nossa existência. Já nos primeiros dias de vida, uma inteligência instintiva se dava conta de que nascemos inteiramente dependentes. Levamos anos e anos sendo alimentados, cuidados e educados até alcançar um pouco de autonomia. Portanto, lá no fundo de nossa mente há uma luz de néon que pisca com os dizeres “sou incapaz de sobreviver sozinho”. “Dependo de alguém, e se perder esse vínculo que me mantém vivo – no caso, minha mãe – posso morrer.” Para continuarmos com esse vínculo, somos capazes de fazer tudo. Inclusive sempre dizer sim e obedecer, se for necessário.

“Manter vínculos é a mais fundamental estratégia de sobrevivência do começo da vida”, diz Denise Passos, terapeuta somática e pesquisadora do Laboratório do Pensamento Formativo, que segue a linha do psicólogo Stanley Keleman. De acordo com essa linha da psicologia (que analisa o poder de várias influências em nossas respostas comportamentais), temos dificuldade em dizer não porque morremos de pavor de perder nossos vínculos e ter nossa sobrevivência ameaçada. É um medo inconsciente e ancestral. Uma criança que tem pais agressivos, por exemplo, e que por temperamento é mais doce, aprende rapidamente que pode ser mais protegida ou aceita quando é boazinha. E ser boazinha e prematuramente madura é uma estratégia eficaz de sobrevivência. “O problema não é ser doce e gentil, o problema é só agir assim, como se não houvesse outra possibilidade diante das situações”, diz Denise.

Um dia crescemos, nos tornamos seres autônomos e não mais tão dependentes dos vínculos. Mas a frase de néon pode continuar a piscar no cérebro: somos fracos, dependentes, e precisamos ceder para sobreviver. Como o patinho feio que virou cisne, não percebemos que nos tornamos fortes e adultos. E que não dependemos tanto dos vínculos, a ponto de aceitar e cultivar até aqueles que podem nos causar muita dor e sofrimento na vida.

A força do treino

Para Stanley Keleman, temos três heranças: a biológica, a genética e a cultural. A biológica revela que o ser humano tem a agressividade dentro de si. A genética dá forma a essa agressividade, que depende do nosso temperamento. Portanto, ela a individualiza: podemos ser mais assertivos, ou mais passivos e obedientes, por natureza. A terceira vertente, social e cultural, vai condicionar mais ainda a maneira de expressá-la. Uma pessoa que diz sim quando queria dizer não vai chegar a um ponto em que seu cérebro emocional (o sistema límbico) e o racional (o córtex cerebral) vão entrar em colapso.Vai responder com fúria, com seu cérebro instintivo (reptiliano) ligado à agressividade.

E como sair dessa?

Treinando pequenos nãos, só para sentir nossa força, em situações menos importantes. E, como numa ginástica, torná-lo forte e resistente. “É preciso um corpo mais tônico, uma emoção mais clara, um raciocínio mais eficaz”, diz Denise. Aprender que crescemos, que não somos mais crianças e que não precisamos nos sentir ameaçados como elas é um bom começo. Perceber que assumir a força, o próprio poder, não significa ser agressivo.

Aventuras e oportunidades

O não pode não ser necessariamente negativo. Já pensou nisso? Na verdade, ele pode se revelar como um portão escancarado para um mundo de aventuras e bem-aventuranças. Ele pode ser, ao contrário, imensamente positivo, pois significa uma recusa ao que é proposto, seja por uma pessoa, seja por uma circunstância, e uma abertura a novas situações. Nas culturas tribais, como a dos índios norte-americanos, o não faz parte do vocabulário de um guerreiro, pois é capaz de expressar, tanto quanto o sim, o que seu coração diz. Segundo o mitólogo Joseph Campbell, nas culturas indígenas os mitos geralmente se apresentam com dois motivos principais: ou a bela moça se recusa a casar com seus pretendentes, dizendo não, não e não a cada um que aparece, ou o guerreiro infringe um limite. Se, por exemplo, a região ao norte é a proibida pela tribo pelos mais variados motivos, sem dúvida é para lá, contrariando tudo e todos, que ele se dirige. Sua aventura começa ao se negar a aceitar o não dos outros.

A cada recusa de pretendentes ou ultrapassagem de um limite, você se coloca num nível mais alto, de perigo maior. A questão é: você está preparado para esse desafio? “A aventura vai ser a recompensa, mas ela é necessariamente perigosa, incluindo possibilidades, tanto positivas quanto negativas, umas e outras fora de controle”, afirma Campbell. Afinal, se você for imprudente demais, pode perder a vida.

Mas há uma grande vantagem nessa escolha. “Estaremos seguindo nosso próprio caminho e não mais o caminho do papai e da mamãe. Com isso estamos sem proteção, num campo de poderes superiores aos que conhecemos”, diz Campbell. É  

para isso que as histórias e os mitos existem. De certa forma, eles nos preparam para o que há de vir depois da recusa. Isto é, o não abre portas para riscos, mudança, conflitos, aventuras e realidades diferentes. O mestre tibetano Chögyam Trungpa falava desse não visceral como o “BIG NO”, o grande não, aquele que é capaz de transformar vidas e destinos. É por isso, também, que o tememos. Mas a mitologia insiste que o caminho do coração é protegido por forças que não conhecemos, que não é preciso temer demais e que nele desenvolveremos novas habilidades e valores. Uma coisa é certa: depois desse não frontal diante da realidade, nada do que foi será do mesmo do jeito que já foi um dia.

Fizemos uma seleção de dicas a partir de livros que falam sobre a melhor maneira de sustentar uma negação. Aqui estão alguns dos conselhos básicos:

• Ser muito legal pode não ser legal. Experimente ser egoísta de vez em quando

• Se discordar, discorde logo de cara, no começo da conversa

• O não precisa ter força. Boa alimentação, exercícios vocais e vitalidade auxiliam

• Se não tiver certeza do seu sim, enrole. Ou peça tempo para pensar

• Não sorria quando estiver a ponto de explodir. Aprenda a fechar a cara

• Mude de opinião quantas vezes quiser

• Diga como se sente e não acuse o outro, colocando-o na defensiva

• Não abra muito espaço para contra-argumentos. Reafirme o seu não

• A negação precisa ser firme. Mas não precisa ser agressiva

• Imagine sempre que tudo vai dar certo. Costuma funcionar.

Livros

O Livro do Não, Susan Newman, Cultrix

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

David Ulrich: Seis etapas para construir a marca da liderança

Para David Ulrich, assim como em uma receita, para criar a marca da liderança, separe os seguintes ingredientes: adicione os valores da marca, prepare líderes de valor e analise os códigos de liderança presentes na organização


Boas receitas precisam de ingredientes de qualidade. Após falar sobre as características essenciais de um líder, o modo como as empresas podem estimular ações de liderança em seus ambientes corporativos e a forma como as marcas se posicionam no cenário atual, David Ulrich dá, em sua palestra na ExpoManagement 2010 seis etapas de como construir a marca da liderança.

São elas:

1) Construa a liderança de fora para dentro

A marca da empresa permeia a construção da marca da liderança, bem como as experiências oferecidas ao cliente e o que de fato ele recebe e percebe, além das ações dos funcionários, vista de cima para baixo, de baixo para cima e lateralmente.

Este modelo vai ao encontro dos conceitos de cocriação mencionados por Kotler, em que o cliente participa ativamente no desenvolvimento e opinião sobre as marcas. Já os funcionários, buscam reconhecimento, possibilidade de desenvolvimento e novos desafios.

2) Transforme a marca da empresa em marca da liderança

Levante as três principais coisas pelas quais queremos ser reconhecidos por nossos clientes.

Identifique quais são os comportamentos da liderança que estariam refletidos em cada marca da empresa.

“Neste momento entram em cena os líderes inovadores, focados em atitudes socialmente responsáveis”, diz Ulrich. Ele ressalta ainda que os comportamentos da liderança devem estar alinhados à expectativa do cliente e, quanto mais houver essa cocriação mais coerência terá com os negócios da empresa.

3) Avalie os líderes e a liderança

Quais são as expectativas e deficiências em habilidades, conhecimento e perspectiva de meus líderes? Outro aspecto fundamental apontado por Ulrich é a percepção dos stakeholders em relação à qualidade da liderança. Estão inclusos nesta pesquisa os profissionais da empresa, bem como os investidores, clientes e fornecedores.

Líderes de alto potencial devem ser avaliados de modo diferenciado e são reconhecidos como pessoas com alto grau de ambição, habilidade, agilidade e por suas ousadas aspirações.

4) Invista na liderança

É possível atribuir ‘pesos’ sobre o que se oferece aos colaboradores-líderes, sendo:

50% relacionado ao desenvolvimento dele por meio de atribuição de cargo, tarefa e participação em processos decisórios da empresa.

Depois, aplique 30% em sua educação e treinamento, oferecendo a possibilidade de participação de programas internos e externos de formação continuada ou até mesmo incentivando o aprendizado prático como parte da experiência educacional.

E, por último, destine 20% de suas ações para incentivar práticas que ofereçam experiências de vida com trabalho, vida pessoal e ações de voluntariado. “Dê aos seus bons funcionários a experiência de se desenvolverem e assegure que suas ideias inspiradoras se transforme em ação”, diz Ulrich.

5) Meça o impacto dos investimentos

Entre os principais indicadores que apontam para a presença de liderança em um ambiente organizacional está a existência de substitutos imediatos plenamente preparados, os projetos de sucessão, bem como a reputação formada pelos líderes de cada setor da empresa.

Além disso, “as histórias e experiências vividas devem mudar as atividades e nos conectar às novas posturas que mudam e transformam nossas ações”.

6) Assegure a conscientização dos conceitos e práticas

Todo mundo tem consciência de seu papel na organização? A questão levantada ajuda a ser respondida se acompanhar a opinião dos analistas, os resultados publicados na mídia (tradicional e redes sociais), os impactos avaliados pelos investidores e, de fato, o quão alinhado os líderes estão em relação aos valores da marca e da marca da liderança criada.

Publicado em HSM Online - 11/11/2010